Interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade: que interlocução possível nos estudos sobre as
emoções? (Parte II)
Luis Ricardo Falero
Na
continuidade de nossa conversa sobre certos aspectos da emoção, articulando
psicanálise e análise do discurso, nosso interesse agora está em compreender
sua a lógica e a participação da emoção em nossa vida. Neste sentido, esta
postagem pretende discutir, a partir de uma associação entre psicanálise e
análise do discurso, certos aspectos da emoção. Como dissemos, a psicanálise é
um campo de saber que trabalha com os discursos. Se para ela o inconsciente é
tomado como seu objeto de estudo, tal fato só se dá em função deste objeto ser
constituído como uma linguagem. Sendo assim, aqui se privilegiará uma abordagem
discursiva da emoção e são muitos os discursos que tentam discutir essa noção.
1.
Multiplicidade dos discursos sobre a emoção
Existe
uma infinidade de possibilidades de se discutir a emoção. Podemos tratar do
assunto a partir da filosofia, da sociologia, da psicologia, da
psicolinguística da comunicação social e da Análise do Discurso. Em função
dessa multiplicidade, recortaremos nossas discussões em torno de uma abordagem
analítico-discursiva associada a uma perspectiva proveniente do campo psy,
tendo em vista a possibilidade de articulação entre esses campos do saber,
pois, ambos trabalham com a linguagem e com os modos de produção da emoção. O
nosso interesse, nesse caso, localiza-se nas interações possíveis entre mídia e
discurso “emocional” e, ainda, em como o amor é tomado pelo universo midiático
como um importante fator de “ativação” da emoção em seu público.
1.1
A dimensão
Psi das emoções
Processos
psicológicos básicos, algo que está do lado dos afetos. É assim que a
psicologia considera a emoção. Trata-se de uma reação global do organismo a
certas situações internas ou externas; possui um caráter de transitoriedade e,
de modo geral parte de uma causa imediata conhecida. Enquanto processo
psicológico básico, a emoção é dividida em primárias e secundárias. As emoções
primárias são respostas específicas a cada uma das classes de situações vitais
relevantes e são categorizadas pela raiva, tristeza, medo, surpresa, alegria e
interesse. São emoções vivenciadas por pessoas de qualquer lugar do mundo,
independentemente da dimensão sociocultural. Por outro lado, as secundárias são
desdobramentos das primárias e possuem uma gama extensa, porque cada uma se
distende em várias outras. Assim, a alegria, por exemplo, se deriva em gozo,
exultação, êxtase, felicidade, júbilo, regozijo, glória, graça, deleite,
satisfação, jovialidade, dentre outros. O que interessa, em todo este leque, é
que o fenômeno da emoção, em sua totalidade, é capaz de despertar nos sujeitos
determinados sentimentos, em função da experiência subjetiva da emoção.
Um
dado importante que aqui lembramos é o fato das emoções secundárias serem
encontradas em uma ou mais culturas, mas não em todas. Por esse caminho, cada
realidade aponta para uma emoção diferente uma vez que ela se torna uma
consequência do sentido que o sujeito atribui à determinada situação. Assim, cada grupo social, cada cultura
desenvolve sua “gramática” das emoções, com suas leis específicas, definindo o
que a emoção é ou não é e, ainda, o que se deve ou não se deve sentir em um
certo contexto. Do mesmo modo, podemos pensar nos aspectos socioculturais
presentes no desenvolvimento, manifestação e socialização das emoções. A partir
das emoções primárias, a personalidade é formada por estruturas ideoafetivas
que são constituídas pelas vivências e ideologias em que um sujeito é criado.
Dessa forma, pode-se dizer que as emoções podem variar, uma vez que as
estruturas ideoafetivas se modificam em função das alterações culturais,
sociais e linguísticas.
Um
ponto pertinente no estudo das emoções refere-se à noção de Script. Proveniente do discurso teatral, tal
concepção lança mão dos termos cena e roteiro. A unidade básica para a
compreensão da vida psicológica de uma pessoa é a cena, que é qualquer evento
experiencial específico, marcado por início, meio e fim, com alta intensidade
emocional. Assim, uma mãe que perde seu filho recém-nascido em um acidente
aéreo possui uma cena gravada, uma espécie de representação mental da situação
ocorrida juntamente com a emoção provocada por tal cena. Cada sujeito possui
uma memória de cenas vividas e organizadas de acordo com regras e estratégias
que são mais ou menos fixas e formam o script (roteiro). E os scripts são
formados para que o sujeito lide com as regularidades e mudanças do mundo e
possa desenvolver estratégias para organizar, avaliar, interpretar e controlar
as cenas. Desse modo, a mãe que perdeu o filho recém-nascido em um acidente
aéreo, ao se deparar com notícias - ainda que tempos depois - sobre um acidente
desse tipo, terá despertado em si uma cena de dor, marcada por um script que a
fará entristecer-se e, de certo modo, desenvolver estratégias de controle ou
gerenciamento das emoções.
Alguns
autores vão dizer que as emoções são disposições corporais dinâmicas que
especificam domínios de ações nos quais os animais e humanos operam. A partir
desta constatação, diz-se que qualquer que seja a ação humana, ela é realizada
em algum domínio emocional:
“[...] é a emoção que define o que fazemos naquele momento como uma ação de um tipo particular naquele domínio operacional” (Humberto Maturana).
Isso
quer dizer que os movimentos humanos são guiados pelas emoções e que as
emoções, por sua vez, interferem nos domínios das ações humanas e a compreensão
da atividade humana passa necessariamente pela compreensão da emoção, que
define o domínio das ações. Maturana
sustenta que as emoções entram na consecução de um domínio em função da
linguagem e é exatamente na articulação entre o linguajar e a emoção é que o
humano se constitui.
Para
os cognitivistas, os processos emocionais possuem um evento indutor em função
de sua previsibilidade e cálculo de consequências, respostas emocionais
somáticas e psicológicas, normalmente não-conscientes, uma vivência afetiva
consciente e verbalizável, que pode ser comunicada e expressa por aquele que a
viveu e, por fim, uma manifestação comportamental em resposta à emoção, que faz
com que o sujeito fuja, aproxime-se, agrida, se defenda etc. Isto posto, o
caráter substancialista dessa teoria levanta contestações de uma abordagem que
leva em consideração os fatores socioculturais presentes na emoção, como é o
caso das teorias provenientes da Psicologia Social. Em um caminho semelhante, a
psicologia cognitiva sustenta que a experiência emocional depende da percepção
que a pessoa tem de uma dada situação. Assim, cada circunstância fornece pistas
ao sujeito de como ele deve interpretar seu estado de estimulação. No entanto,
um ponto discutível nesta teoria é o fato de que nem todos os sentimentos
provêm das cognições, pois as pessoas são capazes de reagir instantaneamente a
situações sem interpretá-las e avaliá-las. Em muitos casos, a avaliação e a
interpretação só aparecem em período posterior à ação propriamente dita. Com
aproximações cada vez maiores com o campo das neurociências, a Psicologia
Cognitiva, ao lado daquela, buscou analisar o cérebro dos enamorados através de
ressonância magnética funcional, um procedimento que possibilita visualizar a
atividade de múltiplas áreas cerebrais em um determinado momento. Tal mapeamento aconteceu quando os pesquisadores
mostraram aos pesquisadas imagens fotográficas da pessoa amada e solicitaram
que estes relaxassem e pensassem no seu objeto de amor. Paralelamente, foram
mostradas fotos de pessoas do mesmo sexo e idade dos “amores” dos sujeitos
objetos da experiência: o observador externo não recebeu nenhum índice para
ajudá-lo a diferenciar as fotografias, a fim de se garantir qualquer
interferência na observação por parte do observador. Por fim, foram observadas
as atividades cerebrais e as mesmas foram comparadas.
Segundo
os cientistas, quatro áreas localizadas no sistema límbico – sistema
responsável pelo controle das emoções - se iluminavam na ressonância quando os
participantes pensavam carinhosamente em seus parceiros. De acordo com os
pesquisadores, tais áreas distinguem o amor da pura excitação sexual. Como
conclusão, os cientistas verificaram que a emoção amorosa não se apresenta
apenas como um fenômeno psicológico, mas também como um fenômeno neuronal. É evidente que o campo das neurociências trouxe
um significativo progresso para o estudo das emoções e das paixões. No entanto,
é oportuno pensar também no discurso constitutivo desse campo, uma vez que esse
enfoque tende a reduzir o homem a um conjunto de neurônios e
neurotransmissores, ao centrar-se na configuração orgânica do ser humano como
fator determinante de suas emoções e comportamentos. A questão que se coloca,
nesses casos, é como pensar algo que pode ser universalizável – aquilo que é da
ordem do orgânico – em relação aquilo que é da ordem do particular – o modo
como cada sujeito “se emociona” e se implica no seu “emocionar”. Trata-se de um
posicionamento ético, pois, se de um lado é oportuno pensar que os avanços das
neurociências apresentam progressos admiráveis na atualidade, do mesmo modo, é
oportuno pensar que existe um risco nesse campo, que é o de subtrair a
responsabilidade de um sujeito diante de seus atos e daquilo que o emociona.
Continuaremos
em outro momento mas, antes, para saber um pouco mais, clique aqui: https://freudcontemporaneo.webnode.com/l/as-neurociencias-e-o-sujeito-do-inconsciente/
Besitos!

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