Interdisciplinaridade
e transdisciplinaridade: que interlocução possível nos estudos sobre as
emoções? (Parte I)
“Sou esse infeliz comparável aos espelhos
que podem refletir mas não podem ver
Como eles o meu olho está vazio e como eles
habitado
pela ausência de ti que o torna cego.”
Aragon
Amor e sexo: uma Introdução
Amor e sexo:
dois significantes que circulam na sociedade e provocam emoções no espectador
porque, de certo modo, têm um valor de experiência do vivido e apresentavam-se,
seja na literatura, seja na filosofia ou nas artes, como uma etiqueta que, de
certo modo, direcionava a existência dos sujeitos. Como se sabe, a literatura
desempenhou um importante papel educativo na Antiguidade e tal função durou até
finais do século XIX. De alguma maneira, os diversos manuais de amor e sexo
circulantes em tempos passados influenciaram as concepções atuais de amor, com
repercussões paralelas nos modos discursivos de se amar na contemporaneidade.
Uma questão que se impõe é saber se a construção discursiva dos modernos
manuais de amor e sexo (quais seriam eles?) aponta para o discurso da sedução,
conforme ocorria nesses manuais antigos; ou se aponta para um discurso
performativo, a partir da midiatização das relações humanas e, com isso,
elabora modos de amar e de gozar que servem de modelos ideais produzidos em
série para serem consumidos.
Esquematicamente,
passamos de uma concepção do amor sublime na Idade Média para uma outra, a do
Renascimento, que associa espírito e matéria, embora houvesse uma presença
maciça de mulheres “idealizadas” naquele tempo. Em um momento seguinte, as
prescrições do amor eram baseadas no pensamento médico e eclesiástico da época,
com uma separação entre o público e o privado, tal como pôde ser visto na
concepção burguesa de amor, sexo e casamento no século XIX. Se o romantismo
associa o amor à morte, na contemporaneidade o amor assume a complexidade que
tal tempo apresenta, com prescrições sobre o modo de amar e de ser homem e
mulher. Nossa questão é: será que tais prescrições se inserem em uma lógica de
mercado e o amor passa a ser não mais objeto idealizado, mas torna-se objeto a
ser consumido?
Os aparatos
tecnológicos que proliferam na atualidade promovem um modo diferenciado do
homem lidar com a realidade e, mais ainda, elevaram a uma categoria de
evidência as imagens contemporâneas. Assim, a formatação do olhar conduzida
pela televisão - mas não exclusivamente por ela - circunscreveu nosso modo perceber
a realidade de uma maneira completamente diferente daquela vivenciada por
nossos antepassados. De fato, a sociedade contemporânea caracteriza-se por
titânicos avanços no plano técnico e tais avanços geraram uma estagnação no
plano cultural. As tecnologias, com
todos os seus artefatos, não se constituíram como algo estranho ao homem, mas,
antes, configuram-se como uma “prótese” e um artifício para se lidar com a
realidade. Se o mundo é agora marcado por “máquinas de duplicar o real”, como é
o caso das máquinas de filmar e/ou de fotografar, a proliferação de imagens
tende a fazer com que o homem substitua o evento por sua enunciação simbólica.
Se não uma substituição, pelo menos uma confusão, o que implica no fato de que
os eventos só são considerados como ocorridos quando circulam pelos meios de
comunicação, sugerindo o que o linguista Patrick Charaudeau denominou de
“efeito de realidade”. Os aparelhos midiáticos de enunciação promovem um
“efeito totêmico” em função da espetacularização da sociedade, segundo as
discussões propostas por Guy Debord. É
evidente que a fabricação de imagens é uma ação humana, mas, também é evidente
o fato de nós não nos contentarmos em apenas fabricar imagens de tudo, mas
possuirmos um modo de usufruir dos efeitos que as imagens exercem sobre nós.
Tais efeitos são
diversos e provocam reações diversas, de variadas maneiras, em pessoas
diferentes. Entendemos que tais efeitos são causados em função de uma relação
de dependência que estabelecemos com a imagem, por nos constituirmos como um
animal mimético por excelência. O que se extrai disso é que na nossa relação
com a imagem, nós nos localizamos em uma posição de desvantagem, de um “descompassamento”
em função de nosso estado de prématuração específica do nascimento.
Ao contrário dos outros seres vivos, os
seres humanos nascem “inacabados”, “pré-maturos” do ponto de vista neurológico.
A prematuração específica do nascimento proposta por Lacan, por exemplo, é a
que fala do impedimento de uma criança de seis meses de idade de reconhecer o
seu corpo de modo integrado e ainda de reconhecer-se diante de um espelho. Tal
situação reflete-se na necessidade que a criança possui, até uma certa idade,
de apoiar-se em determinadas coisas para manter-se em pé, pois, mesmo que a
imagem refletida no espelho seja uma imagem coordenada, a experiência vivida
pela criança é de uma descoordenação completa.
Para o
psicanalista francês Jacques Lacan, somos efeitos do simbólico e nos constituímos
a partir de uma rede de significantes que só adquirem sentido em suas relações
mútuas, a ponto mesmo de sustentar que um sujeito é o que um significante
representa para outro significante. Todavia, a nossa relação com o simbólico
não se dá de modo imediato, uma vez que ele nos escapa. É assim que as
formações imaginárias passam a mediatizar nossa relação com o simbólico, o que
agencia o caráter irreal daquilo que costumeiramente chamamos de realidade.
Entretanto, faz-se necessário que um contrato se estabeleça a fim de que tais
imagens tenham um efeito e, de modo específico, causem emoção no espectador. De
modo semelhante ao amor, a “emoção está na moda”, na medida em que há uma
proliferação de práticas e saberes discursivos que a privilegiam. Pode-se dizer
que do lado do humano nosso mundo é movido pelas emoções. Se, pelo viés do
discurso midiático, a emoção é capaz de captar o espectador, do lado da ciência
existe um crescente interesse em compreender sua lógica e sua participação em
nossa vida. Neste sentido, queremos conversar um pouco sobre certos aspectos da
emoção, articulando psicanálise e análise do discurso.
Em breve
falaremos um pouco mais sobre isso!
E para saber um pouco mais, leia: https://freudcontemporaneo.webnode.com/l/vamos-falar-de-sexo/
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