ANGÚSTIA E REALIDADE SOCIAL



Estamos em Teresina, terra de Torquato Neto, um município com uma população estimada em 862 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018. Teresina é a 21ª maior cidade do Brasil e a 17ª maior capital de estado, sendo a 7ª capital mais populosa e a 7ª capital mais rica do Nordeste.
É conhecida por Cidade Verde, codinome dado pelo escritor maranhense Coelho Neto, em virtude de ter ruas e avenidas entremeadas de árvores. De acordo com o IBGE É um município em fase de crescimento sendo considerada uma das mais prósperas cidades brasileiras, destacando-se atualmente no setor de prestação de serviços, comércio intenso, rede de ensino avançada, eventos culturais e esportivos, congressos, indústria têxtil, e um grande complexo e moderno centro médico que atrai pacientes de vários estados.
Teresina é a 4ª capital mais desenvolvida do Brasil e a mais desenvolvida da região Nordeste, segundo o Índice FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) de Desenvolvimento Municipal. Também conhecida como "Chapada do Corisco", tem em seu lema a frase  "Omnia in Charitate", que significa, em português, "Tudo pela caridade".
Entretanto, o “tudo pela caridade” não alcança a todos. Só o para se ter uma ideia, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade social em Teresina é  0,5 numa escala entre 1,00 (pior número) e 0,00 (melhor) e ela é a capital do estado (Piauí) que tem alta taxa de feminicídios e assassinatos motivados por homofobia.  Segundo dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), a média brasileira é de 5,6 mortes por suicídio a cada grupo de 100 mil habitantes. O Piauí apresenta quase o dobro dessa taxa, atingindo uma média de 10 mortes por 100 mil habitantes, de acordo com o levantamento feito entre os anos de 2010 e 2017.
De acordo com o fórum brasileiro de segurança pública, a escala de vulnerabilidade juvenil no Piauí é alta e o risco relativo de homicídios entre negros e brancos é de 3,33, ou seja, a possibilidade de ser assassinado no estado do Piauí por ser negro é 3 vezes maior que o de jovens brancos.
O Piauí apresentou pela sexta vez seguida a maior desigualdade do país na comparação entre os rendimentos mais altos e mais baixos, segundo o levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no mês de novembro. Segundo o estudo, em 2018, os 10% mais ricos ganharam 18 vezes mais que os 40% mais pobres, sendo o Nordeste a região com maior taxa de desigualdade. 
E qual é o lugar, então, da psicanálise, em um estado e uma cidade, como boa parte das capitais do Brasil, onde a segregação que recai principalmente sobre os corpos negros, jovens, masculinos, de baixa renda e baixa escolaridade graceja e escancara seus dentes a todos nós à luz do dia? Qual a função da psicanálise num momento em que as grandes instâncias mediadoras estão sendo atacadas, como por exemplo, a imprensa, o judiciário, a universidade, os intelectuais, os artistas, que são profissões que têm por ofício tratar do conflito, tornar o conflito um conflito produtivo?
De acordo com o psicanalista Cristhian Dunker, o Brasil entrou em uma época em que existe uma atitude nociva de convencer a todos a partir da lógica da objetivação do ódio específico. Para ele, neste momento, são os vermelhos, comunistas, gays, negros, pobres, índios, ou seja, aqueles que Giorgio Agamben classificou criticamente como os matáveis.
Num tempo em que a justiça virou justiceira e parece haver uma preferência nacional pelo falseamento das notícias, em que ares autoritários sopram em nossas nucas e um elogio da tortura e da ditadura se fazem presentes nos palácios de Brasília, o que fazer a partir dos operadores lógicos que Freud e Lacan nos legaram?
Sabemos que a psicanálise não viceja em terras autoritárias. Para os gregos, só é possível democracia se houver também isegoria, ou seja, uso livre da palavra em situação pública. E, conforme também sabemos, a associação livre é a “regra fundamental” da psicanálise. “Portanto, psicanálise e democracia no sentido político dependem dessa possibilidade inédita de tratar pela palavra os conflitos que passam a ter, desde então, textura de palavra. Por isso a democracia se coloca antes do direito, da política, da moral e da economia. Ela é a condição pela qual tais domínios podem e devem se submeter. A psicanálise possui uma segunda afinidade de origem com a democracia. Esta diz respeito ao fato de que o inconsciente é sem fronteiras. O inconsciente, assim como o desejo, assim como o princípio da livre palavra, não é um defeito ou uma virtude particular, mas uma experiência universal. Ainda que divididos, ainda que faltantes, ainda que negativo, este universal nos afasta por origem da guerra entre os particulares. É porque a psicanálise adota a lei da palavra e faz dela a sua lei que ela se mostra profundamente consoante ao  segundo princípio da democracia, a saber, a isonomia – igualdade diante da lei”.
Ora, pensando nas temáticas sociais atuais e também naquelas não localizadas no social e atemporais, é que propusemos a I Jornada da Escola Freudiana de Psicanálise de Teresina (EFP) com o intuito de problematizar a angústia. Este tema assenta sua pertinência nos desafios que a contemporaneidade impõe à clínica psicanalítica.  Entretanto, desde Freud a angústia tem servido de norteador tanto estratégico quanto epistemológico em psicanálise. Segundo Freud, “Angústia é algo que se sente” e, conforme destaca Lacan, “A angústia é o afeto que não engana”.

Desse modo, a temática aqui proposta é uma questão atual para a psicanálise e nos coloca algumas inquietações:
1) qual o estatuto e o tratamento da angústia, na neurose, na psicose e na perversão?;
2) qual o estatuto do ato analítico, em seus efeitos, nos estados de angústia?;
3) existe alguma relação entre a angústia e a formação do analista?
Em Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud concebe a angústia como sinal de um perigo para se proteger de algo que chama de perigo vital. Para Lacan, a angústia é um sinal do real. De todos os sinais, é aquele que não engana.
Tais elementos minimamente apontados acima são suficientes para justificar uma jornada em torno dessa temática. Todavia, as novas formas de configuração do sintoma na clínica psicanalítica contemporânea, as neo-inibições e a queixa constante de uma angústia que não cessa por parte de muitos pacientes também justificam a temática de nossa jornada, bem como instigam-nos a levantarmos discussões norteadas pela clínica psicanalítica e também naquilo que toca ao psicanalista.
Desse modo, na intenção de fazer circular a palavra e promover novos saberes em torno do tema é que convidamos a comunidade analítica e demais interessados a participarem conosco da I Jornada da Escola Freudiana de Psicanálise de Teresina, que agora se inicia. E hoje, conosco, temos como conferencista, a psicanalista Lia Carneiro da Silveira, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum Fortaleza) e professora da Universidade Estadual do Ceará.

Freud defende que a arte é um dos modos mais eficazes para o tratamento do mal-estar e, com isso, poderíamos interrogar: seria a arte um modo de tratar a angústia?
Pelo sim, pelo não, convidamos nosso Torquato a dizer:
“Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
Eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that”
Ou seja: boa Jornada a todos!

Para saber mais: https://freudcontemporaneo.webnode.com/capitulos-de-livros-publicados/


Comentários

Thaylla Carvalho disse…
A associação final da angústia com a arte e a exposição de um poema de Torquato, por ser teresinense, trouxe uma perspectiva fantástica ao texto.
Obrigado por seus comentários, Talita.
Abraço