Família, Psicanálise e Sociedade (III)

Na postagem anterior destacamos, de maneira bastante sintética, a família no discurso religioso - cristão, para ser mais específico. É oportuno destacar que a Igreja Católica Romana, a partir de 1983, passou a reconhecer, no Código de Direito Canônico,  o papel do amor no matrimônio, dizendo que é uma união para o bem dos esposos, no sentido de uma realização afetiva também e não apenas para procriação. Mais recentemente o Papa Francisco, ao publicar a carta  Amoris Laetitia, passou a tratar da acolhida e acompanhamento das famílias pela Igreja, incluindo definitivamente, em certa medida, os casais em segunda união. Importante mudança conceitual, em consonância com o que já ocorre no seio das famílias. 

A partir de agora, trataremos do modo como algumas abordagens psicológicas e até mesmo psicanalíticas consideram a família.

Considerações provenientes do campo Psi 


O pensamento sistêmico tem como princípio central a família como um sistema, baseado na teoria geral dos sistemas desenvolvida por Von Bertallanfy nos anos 40 e na cibernética, uma ramificação desta. Sendo assim, ela é vista como um sistema aberto por estar, através de seus membros, dentro e fora de uma interação com os outros e com sistemas extra-familiares. Por ser um sistema, as ações e comportamentos de um dos membros influenciam simultaneamente o comportamento de todos os outros, e vice-versa. Desse modo, um distúrbio mental é visto como a expressão de padrões inadequados de interação no seio familiar. A família, segundo a psicologia sistêmica, “pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas”, conforme destaca a terapeuta familiar Vera Calil. 


                                                                      Picasso


Os conceitos de identificação-projetiva, continência e contratransferência descritos por pósfreudianos – M. Klein, Bion, winnicott e Fairbairn – passam a ser aplicados em Londres como uma aposta na possibilidade de se criar uma terapia familiar de abordagem psicanalítica. Segundo este grupo, a dinâmica familiar envolve duas unidades sociais primárias: a família de origem e a família nuclear. A família de origem é aquela através da qual “cada um dos cônjuges construiu seus padrões de relacionamento e a família nuclear, através da qual os padrões de relacionamento aprendidos e vivenciados, nível consciente e inconsciente, pelos cônjuges durante e infância e adolescência são repetidos e continuamente desenvolvidos”, sustenta  Vera Calil.

Esta concepção, de inspiração psicanalítica, propõe um “divã” para a família argumentando que Freud leva em conta o fato de que não se pode conceber o indivíduo fora de seu ambiente. Partindo da teoria dos grupos e da aproximação que Freud tenta estabelecer entre psicologia individual e de grupo, onde ele afirma que toda psicologia social é ao mesmo tempo uma psicologia social, visto que o sujeito que busca o analista traz consigo toda uma gama de identificações construídas na rede social. Assim, a terapia familiar também é uma terapia pela linguagem, do grupo familiar como um todo, que estuda a dinâmica grupal-familiar regida por forças inconscientes. Seu objetivo é propiciar a autonomia dos psiquismos individuais de cada um dos membros familiares interpretando, por isso, as emoções, o amor conjugal, filial, fraterno e o funcionamento dos papéis sexuais presentes no seio familiar. Ao que tudo indica, a terapia familiar busca ajustar os indivíduos no grupo familiar de tal forma que as relações tornem-se menos tensas e mais compreensivas. Enfim, ele visa “ao desenvolvimento do amor pela compreensão e pelo conhecimento nos membros da família”, conforme defende Alberto Eiguer.


Cássio Eduardo Soares Miranda - Psicanalista

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