Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: Pathos e Aparelho Psíquico (Parte IV)
Na continuidade de nossa conversa sobre os percursos interdisciplinares, nossa tônica agora se dará em torno do Pathos naquilo em que ele afeta o Aparelho Psíquico.
Naif, de Carmézia Emiliano
Como se sabe, a palavra “patologia” pertence ao campo semântico da medicina, embora seja estendido a outros campos, como podemos ver na palavra “psicopatologia” ou “sociopatologia”. Seja em um campo ou em outro, a palavra conota sofrimento, desordem, perda de harmonia, disfunção (somática, social ou psíquica). Do ponto de vista psicanalítico, somos conduzidos a interrogar como Pathos e psiquismo se articulam.
De início, para a Psicanálise, o psiquismo refere-se a uma organização desenvolvida nos humanos para protegê-los contra ataques internos e externos pelos quais ele passa. É como se o psiquismo fizesse parte do sistema imunológico, garantindo ao sujeito meios para se defender dos “ataques” passionais e pulsionais (internos) e, ainda, dos ataques provenientes do ambiente (externos). Tal modificação é proveniente do sofrimento causado pelas vicissitudes da vida e, com isso, o pathos constitui-se como ingrediente central da constituição humana. Cada sujeito precisará encontrar um modo de responder ao excesso que lhe é constitutivo e, com isso, obter uma resposta particular ao excesso, e que formará sua subjetividade.
Assim, temos um excesso que causa dor, mas temos, também, um excesso que cria a subjetividade. Cada sujeito inventará uma forma para lidar com a duplicidade do pathos, mas, em psicanálise, o que importa é o modo como o sujeito extrai do excesso uma experiência e responde por ela. Mas, trata-se, sobretudo, da concepção psicanalítica de que ser humano é ser patológico, pois, uma vez habitado pela linguagem, ele é extraído da ordem da natureza e tem sua existência constituída no campo do Outro, que o faz ascender à cultura. Freud, em O mal estar na civilização (1930) afirma que o preço a ser pago pela cultura é a neurose, o que podemos traduzir que o ser humano paga um preço – a “anormalidade” – para fazer parte de uma norma cultural. Nesse sentido, o normal é ser “anormal”.
Quando o sujeito é tomado por uma ideia incompatível à sua condição moral, por exemplo, um afeto vem associado a essa ideia e o aparelho psíquico retira da consciência e lança no inconsciente, através da operação de recalcamento, a ideia incompatível. Se a ideia é recalcada, o que acontece com o afeto? Três vicissitudes são possíveis: “[...] ou o afeto permanece, no todo ou em parte, como é; ou é transformado numa quota de afeto qualitativamente diferente, sobretudo em ansiedade; ou é suprimido, isto é, impedido de se desenvolver” Freud (1915, p. 157). Se o afeto sofre as vicissitudes acima, a ideia (representação) permanece no inconsciente e passa a existir como estrutura real nessa instância. É possível que haja emoções inconscientes, mas estas não são do campo da representação. Elas estão do lado da descarga, que possui uma conotação mais orgânica. A ideia torna-se, ao fazer parte da estrutura inconsciente, um investimento que busca ligar-se, em um outro momento, a uma outra ideia compatível. Se o afeto sofre uma das vicissitudes ditas anteriormente por Freud, a ideia é capaz de gerar novos afetos, o que nos permite dizer que a emoção só é possível de ser “gerada” quando uma ideia, vinda do exterior ou do interior, atinge a consciência e mobiliza uma rede de afetos no sujeito “[...] cujas manifestações finais são percebidas como sentimentos” (ibid.).
Para algumas pessoas, o afeto assume caminhos diferentes: nelas, ele é esquecido, mas um símbolo mnêmico se aloja na consciência, fazendo com que, em algum momento, a representação que ficou enfraquecida seja suprida por um afeto renovado. Em outras pessoas, permanece na esfera psíquica e, presente na consciência, estabelece novas conexões com outras representações que gerem um caráter pathêmico de menor intensidade. Com essas considerações, sustentamos que as emoções podem ser despertadas por elementos que tocam tanto a consciência quanto o inconsciente do sujeito que, sem o saber, é “arrastado” pela ideia que o gerou.
Cássio Eduardo Soares Miranda - Psicanalista

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