A TRANSFERÊNCIA – UMA BREVE INTRODUÇÃO



"... após pequeno lapso de tempo, não podemos deixar de constatar que esses pacientes se comportam de maneira muito peculiar com relação a nós. Acreditávamos, para dizer a verdade, que havíamos colocado em termos racionais, completamente, a situação existente entre nós e os pacientes, de modo que esta pudesse ser visualizada de imediato como se fora uma soma aritmética; não obstante, a despeito de tudo isso, algo parece infiltrar-se furtivamente, algo que não foi levado em conta em nossa soma. Essa novidade inesperada assume muitas formas (...) Constatamos, pois, que o paciente, que deveria não desejar outra coisa senão encontrar uma saída para seus penosos conflitos, desenvolve especial interesse pela pessoa do médico." (FREUD)

Elevada à categoria de conceito fundamental, a Transferência assinala em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos em um certo tipo de relação estabelecida com eles e, de modo eminente, naquilo a que chamamos de “relação analítica”. Segundo o Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis a transferência indica, 

“O processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada ... terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este”.

Em síntese, pode-se dizer que em Freud a Transferência é repetição. Para Freud, a relação transferencial é a repetição de estereótipos inconscientes, conforme pode ser visto em O Inconsciente, um texto escrito por ele em 1915.


Por outro lado, para o psicanalista francês Jacques Lacan, transferência e repetição não são a mesma coisa. Transferência, para ele, não é repetição. Trata-se de uma mudança importante e fundamental. Existe, sim, para Lacan, uma dupla vertente da repetição, assim como existe uma vertente da transferência, conforme pode ser visto no Seminário XI, de sua autoria. De fato, Lacan considera a transferência separadamente da repetição, e a coloca como uma decorrência contígua da associação livre. Para Lacan, no entanto, a Transferência é “atualização da realidade do inconsciente”.

Trata-se de um tema fundamental em Psicanálise e que se encontra diretamente associado ao desejo do analista e a condução do tratamento. Conforme acentua Freud em Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912): “Um cirurgião dos tempos antigos tomou como divisa as palavras: Fiz-lhe os curativos: Deus o curou. O analista deve contentar-se com algo semelhante”.
Sigamos. Isolados, mas não sozinhos.

“O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para outro pelas vias de uma transferência de trabalho”.

Para começar  a saber mais:

FREUD, S. (1912a) A dinâmica da transferência. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 129-143. (Edição Standard Brasileira, Vol. XII.
FREUD, S. (1912b) Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 145-159. (Edição Standard Brasileira, Vol. XII. 
LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958). In:______ Escritos (1901-1981). (Vera Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 591-652.
LACAN, Jacques. Ato de Fundação, in Outros Escritos, RJ, Zahar, 2003, p. 242.


Cássio Eduardo Soares Miranda
Universidade Federal do Piauí
Coordenador do Núcleo de Estudos Lacanianos (NEL)

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