O fracasso escolar como objeto de estudo
A contemporaneidade tem provocado no homem inúmeros sentimentos de desânimo e mal-estar que surgem a partir das transformações dos laços sociais. Segundo Ruth Cohen, psicanalista carioca, a contemporaneidade ocasionou o surgimento de várias patologias, desencadeadas pela constante preocupação com o “futuro”, que com o passar do tempo, provoca sentimentos de angústia no homem. Desse modo, as transformações sociais assumem um caráter questionador em relação às mudanças também ocorridas no ambiente escolar. O fracasso escolar seria um sintoma dos novos laços sociais?
Para Cohen, o fracasso escolar, como sintoma da contemporaneidade, pode caracterizar-se como "[...] esse algo que não funciona, que impede a aprendizagem, que se mantém e se repete como sintoma, pode ser fruto de um mau encontro, um encontro traumático com as demandas irrespondíveis da educação, encarnadas por seus representantes, chamados de os 'Outros': família, escola e Estado".
O fracasso escolar como “algo que não funciona” e que impede o sucesso da aprendizagem é recorrente no cenário escolar, caracterizando-se como um sintoma e um dos principais modos de sofrimento contemporâneo. Nesse sentido, as transformações sociais também se refletem no Sistema Educacional. A escola está totalmente vinculada à sociedade e às suas mudanças. O que ocasiona o fracasso escolar não deve estar associado somente aos educandos, mas está muito mais além dos jovens e crianças, uma vez que pode estar inscrito no campo das políticas educacionais, na dimensão transferencial presente no laço entre professor e aluno, na dinâmica familiar, dentre tantas outras possibilidades.
Ao persistir em imputar somente à criança a responsabilidade pela produção do fracasso escolar, o cenário atual da escola, apresenta dificuldades em lidar com os alunos fora do “padrão” exigido de “aluno nota 10”. Ao invés de garantir a aprendizagem do educando, a escola o intitula como fracassado e são esses alunos que muitas vezes fazem parte das estatísticas de evasão e repetência. Quando optam por continuar na escola, mesmo inclusos no Sistema, fazem parte dos excluídos, os alunos fracassados que não geram expectativas de êxito entre os professores.
Decerto, não existe um único responsável pelo fracasso escolar, podendo ser constatado através das causas provenientes tanto do âmbito escolar, familiar ou de fatores subjetivos do aluno. Todavia, é possível verificar a concepção presente na sociedade de que as crianças são responsáveis por suas dificuldades escolares. É evidente que para a superação dessa problemática exista empenho e interação entre família e escola, retirando da criança o peso da rotulação, tornando a aprendizagem mais produtiva e prazerosa para o aluno.
Falar sobre fracasso escolar é repensar os estigmas existentes nas representações contemporâneas sobre o “aluno problema”. Como foi dito anteriormente, estudos elaborados sobre esta temática pretendem encontrar o agente produtor do fracasso escolar – como as pesquisas produzidas por Maluf e Bardelli (1991); Asbahr e Lopes (2006) – constatando um consenso entre as falas da escola e família que culpabilizam o próprio aluno por seu baixo rendimento na escola.
Entretanto, para compreender os efeitos produzidos pelo fracasso escolar é necessário investigar a partir do ponto de vista do aluno. Alguns estudos constatam que um desses efeitos é “[...] um sentimento ambivalente em relação à escola, sendo esta objeto de ódio e desejo. A escola é objeto de temor. Temor este proveniente de uma história escolar marcada por mecanismos de segregação, punição e desrespeito à subjetividade e ao saber do aluno", conforme diz Marisa Sirino. Nesse aspecto faz-se necessário compreender a realidade vivenciada pela criança, possibilitando encontrar os efeitos que o estigma de “fracassado” geram em sua subjetividade, para que a partir daí, possam ser buscadas soluções referentes aos impasses na aprendizagem.
É pertinente perceber o fracasso escolar como um fator que não está associado apenas ao aluno. Nota-se que os professores tendem a vincular o fracasso escolar a problemas ligados à família ou ao aluno, limitando-se a causas de cunho biológico, familiar, cultural e emocional, negligenciando a considerável participação da escola/professor no processo de aprendizagem. A escola/professor persiste no discurso de responsabilizar o aluno associando o fracasso escolar à características cognitivas ou de personalidade. Porém, os alunos, ao relatarem sobre o fracasso, apontam causas associadas à escola: à dificuldade de compreender os conteúdos, considerados difíceis e às características da prática da professora que dificultam a aprendizagem. Neste aspecto, os resultados demonstram divergências entre as representações que professores e alunos tem a respeito das causas do fracasso escolar.
O papel primordial da escola é garantir a aprendizagem e permanência do estudante. No entanto, em muitas situações a escola torna-se um local onde constantemente são construídas histórias de fracasso. Em alguns casos os professores reforçam as ideias negativas que os alunos têm de si mesmo, fazendo com que a criança assuma os rótulos direcionado à ela. A escola é um local de trocas de conhecimento e a educação é, sem sombra de dúvidas, um processo social. É importante que os professores percebam isso e entendam a importância da construção de relações entre aluno e professor, relações estas que podem garantir ou não a aprendizagem.
Durante a prática, o professor da criança tida como “aluno problema”, passa a se sentir angustiado e insatisfeito pôr não alcançar os objetivos esperados. Para compreender como isso acontece, podemos elencar alguns conceitos psicanalíticos. Antes da psicanálise, Kant já admoestava sobre a profissão dificílima de ser exercida: ser professor. “Entre as descobertas humanas há duas dificílimas, e são: a arte de governar os homens e a arte da educa-los.” Em qual sentido seria tão difícil educar? Para compreender esta declaração de Kant e sua aplicação ao nosso contexto, abordaremos dois conceitos psicanalíticos: Impossibilidade e Impotência. A impossibilidade, caracteriza-se como o irrealizável, o que não tem possibilidade. É o impossível de suportar. Diante do impossível o professor tenta dar conta do ofício dificílimo, mas muitas vezes não consegue encontrar respostas. Em contrapartida, a impotência é o não poder praticar ou o não-ato. Que aparece quando o sujeito, marcado pela frustração, em não atingir suas intenções e objetivos planejados, encontra-se em um cenário de angústia, sem saber o que fazer (a própria impotência) gerada pelo “sentimento de insuficiência diante do qual não há mesmo (em seu discurso) condição de se fazer nada” , conforme destaca o professor da UFMG, Marcelo Ricardo Pereira.
Do ponto de vista psicanalítico, as ações do professor podem afetar sentimentos e expectativas do aluno. Por esse motivo o professor deve ter uma prática reflexiva, pois suas ações estão diretamente ligadas a competência que o professor tem para lidar consigo mesmo. Conforme Pereira (2013), não existe uma garantia do sucesso no ato de educar. A psicanálise entende o ato de educar como algo “impossível”. Ainda segundo Marcelo Ricardo, "A psicanálise entende que é impossível que o ato de educar garanta um desempenho elevado e regular dos gestos profissionais; que a noção de competência é bastante vacilante para se fixar como razão; que o fracasso do empreendimento educativo é sempre constitutivo; que toda racionalidade técnica e metodológica não é capaz de excluir nem o erro nem o insucesso".
A educação tem seu traço de impossibilidade, causando no professor angústia, por não saber lidar com suas incertezas, apatias e desinteresse dos alunos. “É como se o professor se sentisse paralisado [...] ter de lidar com os desvios, os modos estranhos de aprender, a experiência chocante da agressividade e da sexualidade; e dissesse: não tem jeito: diante disso me sinto impotente”, diz ainda Marcelo. A angústia gerada nos professores por não saber lidar com o fracasso traz efeitos para sua prática e essas tensões refletem no ensino, na escola e na própria ação do professor .
Nesta perspectiva, o impossível – instaurado pelo mal-estar na civilização – se faz presente no cotidiano da ação docente, por se caracterizar como uma profissão marcada por incertezas, representadas na própria subjetividade de cada aluno. Ser professor não é reduzir sua prática às regras pré-determinadas. Mas, no cotidiano, a realidade vivenciada pelo professor é de uma classe com tipos de alunos diferentes, com jovens e crianças indisciplinados dividindo a sala com os alunos estudiosos. Situações em que o professor não sabe como agir, situações marcadas pela incerteza, onde existe a prática da violência, agressividade, desinteresse com os estudos ou até mesmo o fracasso escolar. Frente a estas situações – da imprecisão do seu ofício – encontra-se a evidência dos conceitos psicanalíticos aqui abordados pertinentes à educação. O confronto da impossibilidade e impotência na ação docente.
A psicanálise afirma que a ação educativa de fato é árdua. Que pode ser “impossível” por existir sempre a incerteza do erro ou acerto. Mas que ao se deparar com essas dificuldades os professores não conseguem, por muitas vezes, responder de forma positiva, acarretando em angústias e desinteresse na profissão. Ainda com Marcelo R. Pereira, "Um professor, na realidade, vive essa angústia sob o signo da impotência ao estar diante das incertezas de seu ato[...]da apatia e do desinteresse discentes, além de estar diante de sujeitos em sua pura diferença, tendo que exercitar o legítimo imperativo social de fazê-los incluídos. É como se o professor se sentisse paralisado[...]; e dissesse: não tem jeito: diante disso me sinto impotente ".
A psicanálise entende que o fracasso escolar pode aparecer como resultado do “impossível” e do necessário na educação. Sabemos que, se tratando de educação, a impossibilidade sempre se fará presente. Porém o desafio é não criar uma barreira frente a impossibilidade . Nesta perspectiva, discutiremos as estratégias de enfrentamento do fracasso escolar pelos professores, afim de localizar em seus discursos suas angústias e incertezas da profissão.
Vem com a gente para falarmos um pouco mais sobre o fracasso escolar.
Cássio Eduardo Soares Miranda



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